Landing...!
We ought not to be weary of doing little thing for the love of God, who regards not the greatness of the work, but the love with whitch it is performed. We should not wonder if, in the beginning, we often fail in our endeavours, but that at last we shall gain a habit, which will naturally produce its acts in us, without our care, and to our exceedind great delight
A primeira semana é a pior. É o que digo a toda a gente que
vem para cá e foi o que disse a mim própria nestes dias. E é verdade. Entra-se
em Calcutá a chorar e sai-se de Calcutá a chorar...mas por razões diferentes. Achava
eu que, desta vez, ia ser peanuts para mim...na na na!
Comecei o trabalho na sexta feira. Estava ansiosa - e curiosa - por voltar a Shanti Dan. Será que eram as mesmas raparigas? Será que a casa está diferente? Quem são as mashis? (Vou repetir algumas coisas que contei há dois anos, mas é para todos estarmos a par do mesmo)
A viagem demora mais ou menos 45min (primeira parte a pé, depois bus e a pé de novo). Shanti Dan é um grande complexo composto por várias casas com serviços diferentes: pessoas com incapacidades físicas, doentes mentais, bebés abandonados... Trabalho na Ray of Hope que acompanha 'girls' com doenças físicas e mentais. Estas 'girls' têm 40/50 anos, mas aparentam ter 7/10 anos e foram tiradas das ruas pelas sisters. Como já expliquei, muitas sofreram abusos quando eram mais novas (drogas, violência física e amputamentos para chocar mais os turistas), por isso estão no estado em que estão. Não falam, só berram, e são poucas as que têm alguma mobilidade. A maioria está em cadeiras de rodas, outras são autistas e não têm olhos e todas têm algum membro atrofiado. Estão divididas por salas, consoante o 'nível' de incapacidade: bakery team, stream, flowers, birds, stars, butterflies e angels (tudo explicado na imagem). Acompanho as Angels, as Stars e, às vezes, as Flowers.
Em que consiste o meu trabalho? Muito simples...secar e pendurar roupa no telhado, acompanhar as aulas (estimulação dos sentidos através de músicas, instrumentos, danças), dar o almoço, mudar de roupa, casa de banho e deitá-las. Dito assim é tão agradável! Infelizmente não é tão fácil como parece e tenho muito por onde me santificar...os cheiros são deploráveis, vomitam e cospem em cima de nós, são autênticos pesos mortos, por isso a 'dinâmica' de mudar de roupa e ir à casa de banho é bastante complicada.
Já não me lembrava disto e o primeiro dia foi terrível. Tudo me deixava enjoada, as 'girls' faziam-me impressão, enfim, senti-me inútil e incapaz de ajudar no que fosse. O melhor desse dia foi ter passado uma hora no Excel a tratar dos salários das mashis e rezei para que a sister me pedisse isto todos os dias, para não ter de ver tudo aquilo. Só quis voltar para casa e dei por mim arrependidíssima por ter voltado...mas depois lembrei-me que é sempre assim na primeira semana. A verdade é que este choque de realidades é grande no início...não só em questões básicas como a comida e o calor, mas também nisto, a pobreza que contactamos diariamente e a forma indiana de se viver a vida. Tudo com muita calma, muito lixo e cheiros...mas daqui tiro muita coisa boa.
'Come with a heart to love and hands to serve Jesus in the crippled, the abandoned, the sick and the dying'
É mesmo isto, não há muito por onde explicar esta frase. Existe apenas o momento em que é preciso esquecer o 'eu', encontrar Jesus e pôr as mãos ao trabalho. Vêm-me agora à cabeça imensas frases feitas, clichés, mas que são a mais pura das verdades e que me ajudam no dia a dia. Aqui a mudança acontece quando começo a ver Jesus em todos os que por mim passam...em concreto, nas girls de Shanti Dan. É muito diferente alimentar alguém se pensamos que é Cristo...no caso de quem está em PT a ler - trabalhar a pensar que é por amor a Deus, servir os filhos vendo Jesus ali disfarçado, os colegas de trabalho = Jesus, os doentes que cuidam são Cristo, os alunos, o serviço que fazemos...tudo...por isso, fazer as coisas pequenas com muito amor.
O meu dia começa com missa às 6h da manhã e ajuda-me pensar que encontro Jesus na Missa, para O encontrar de novo nas ruas e no trabalho, o que me dá força e ânimo para o realizar. E é também aqui onde vos encontro a todos, família e amigos, pois vou oferecendo cada coisa que vou fazendo. Aquele cheiro execrável por esta intenção, aquela estalada que levei por outra intenção, aquele sorriso por não sei quem...e assim estão todos a ser lembrados!
A primeira semana foi dura. É sempre assim. Agora está tudo bem! Neste momento faço imensa coisa diferente porque há muito poucos voluntários e é preciso ajudar no que as sisters mais precisam. Já tive de ficar no museu (museu, quarto e túmulo da Madre Teresa - basicamente, tenho de manter o silêncio entre os visitantes e acompanhar no que for preciso), tenho de ajudar as sisters a tratar das contas de Shanti Dan, fazer um registo fotográfico das 'girls', etc. o que for preciso. Nem sempre há a rotina do trabalho como estava habituada, o que é bom, porque vou conhecendo as várias necessidades da vida aqui. No entanto, a laundry diária mantém-se independentemente dos pedidos das sisters (socorroooooooo!). Para quem não está a par, parte da minha manhã (8h-10h) é espremer a roupa que as mashis lavam, pôr em baldes e subir para os telhados para secar. Simples? Sim. Desgastante? ABSOLUTAMENTE! Ao mesmo tempo, muito cómico, pois não falamos a mesma língua que as mashis e estão sempre a dar-nos indicações pouco percetíveis, sempre com o barulho de fundo - berros - das 'girls'. Tem muita graça!
Hoje pediram-me para ir para a laundry das 'women'...não havia voluntários suficientes e estava com a Eva (uma voluntária dos US), com mashis e uma sister a lavar roupa. Imaginem este cenário: água até aos joelhos, baldes e baldes de água e roupa suja, uma chuva torrencial (estamos nas monções, remember?!). De repente, ouço um grande estrondo. THUNDERSTORM! Outra vez! Não tenho propriamente medo das trovoadas, mas neste sítio são a maior loucura! São raios e estrondos, tudo ao mesmo tempo e descargas de água enormes. É verdadeiramente assustador. Lá estava eu, a tremer por todos os lados, a rezar Ave Marias alto (!!!), a achar que ia morrer, até que pensei 'OK, se a sister e as mashis estão bem e a trabalhar, é porque isto é normal e nada vai acontecer, por isso acalma-te'...até ao momento em que se ouve um MEGA trovão, a sister dá um berro, salta e agarra-se a mim, e tudo abana! MORRI DE MEDO! As mashis só se riam e eu só pensava se estava confessada porque não ia durar muito mais tempo nesta terra! Bom, os meus dias são um pouco disto: achar que vou morrer (ao atravessar a rua, ao andar de tuktuk, ao pendurar roupa em telhados com trovoadas por trás!). Apesar de tudo isto, da loucura que é esta cidade, estou mesmo feliz! As pessoas que estão aqui comigo são incríveis e verdadeiros exemplos - sinto-me a formiga mais pequena do universo aqui no meio...estou num laboratório de santos!
Por falar em santos, hoje é dia de S.Josemaría! Tão bom! Há aqui várias pessoas com formação na Obra e vamos todos festejar. Aproveito para dizer que no Porto a missa será dia 27 às 19h na Igreja da Trindade, em Lisboa será hoje às 19h15 no Oratório de São Josemaria (mais missas ver aqui).
Peço-Lhe a graça de nunca ser indiferente à pobreza que me rodeia, pois é fácil habituar-me a tudo o que vejo. Aos que lerem isto, atrevo-me a pedir que rezem uma Ave Maria por mim, para que me saiba entregar a estas pessoas.
Coisas engraçadas:
- no outro dia estava em Shanti Dan e comecei a ouvir o
barulho de uma aparafusadora. Fui ao corredor e vi uma sister a fazer furos num
balde. O que tinha acontecido? Dois baldes utilizados na laundry tinham partido
com o peso (quando digo partido é mesmo partido...o balde estava aberto até
metade), então a sister estava a fazer furinhos e a coser com uma linha grossa.
(momento de pausa para todos imaginarem o sucedido) Sim, a irmã pôs-se a coser
um balde plástico duro para poder voltar a utilizá-lo. Esta tarefa demorou uma
hora e meia (dois baldes). Resumindo, estas sisters vivem a pobreza! Ocasião
para pensarmos como vivemos nós esta virtude;
- lembram-se de ter explicado que aqui os indianos quando
dizem que sim com a cabeça parecem dizer não? Se não se lembram, está neste
post. Aqui fica um vídeo do Raj a dizer 'sim' e 'não'. Neste vídeo ele é muito
óbvio a acenar. Na maioria das vezes os indianos não são tão explícitos, pelo
que se torna muito difícil perceber as suas respostas;
- para quem não leu em 2016... as mashis são as indianas que trabalham nas casas das sisters. 'Auntie' é o que chamam aos voluntários (a toda a hora. TODA a hora). Algures no tempo ponho uma gravação das mashis a chamarem 'auntie';
- lavei, pela primeira vez, a minha roupa à mão sozinha! Tive de ir ver vídeos no youtube, mas correu tudo bem ahaha Mãe, ia ficar orgulhosa da minha arte de lavagem com baldes;
- tivemos um gathering proporcionado pelas sisters no Domingo. Começou às 14h30 e só acabou depois do jantar. Foi mesmo giro! Fomos até Prem Dan (outra das casas da MC), situada numa zona também muito pobre. Foi uma tarde para os voluntários descontraírem...fizemos teatros por grupos, dançámos e cantámos músicas. Tivemos Adoration como nos outros dias e jantámos lá. A viagem de regresso foi um caos. Calcutá à noite mete medo e andar de autocarro foi só rir. Imensa gente, havia pessoas penduradas de fora, um calor desgraçado e...chuva (again, estamos nas monções). Comove-me ver o carinho com que as sisters nos tratam. Foi tudo feito a pensar em nós, tão queridas!
Não me lembro de mais coisas para contar. À medida que os dias passam penso que tenho de escrever sobre isto e aquilo, mas depois esqueço-me...! Sorry! Continuo a rezar por todos os que me vou lembrando e pelas intenções que me têm pedido por mensagem.
São Josemaría, rogai por nós!
Grande beijinho,
Rita