Enlightening

02-07-2018

     Love to be real, it must cost, it must hurt - it must empty us of self. Madre Teresa 

      Na terça-feira passada fui trabalhar para Nirmal Hriday - Home for the Dying. É uma casa que presta os últimos cuidados a quem está nas ruas. Tudo começou bem. Dançámos um bocado (mais uma vez, campos de férias a dar os seus frutos), cantámos e rezámos o terço. Chegou a hora do jantar e, como sempre, as mashis pediram-nos ajuda. Estava a distribuir pratos quando uma mashi me pediu para dar de comer a uma senhora. As mashis não falam inglês, pelo que tive de a seguir por um corredor pouco iluminado com imensas camas. Chegámos ao fim do corredor, deu-me o prato para a mão e apontou para o chão. Estava uma pessoa num colchão, num cantinho...um ser humano como nunca tinha visto na minha vida. Magríssima, magríssima, muito velhinha, cheia de feridas no corpo, com não sei bem o quê que a fazia espernear e mexer imenso a cabeça e os braços. Não estava a acreditar no que estava a ver e demorei alguns minutos a decidir-me sentar no chão, acariciar-lhe a cara e alimentá-la. Digo desta forma um pouco grosseira, pois senti-me um pássaro a dar de comer aos filhos e queria que percebessem como esta senhora estava mesmo num estado lastimável. Não controlava de tal maneira o seu corpo, que tinha de segurar a sua cara, esperar que abrisse a boca e dar-lhe a comida. Seria tão mais fácil que esta senhora morresse...pensam uns. Para as mashis seria menos uma pessoa para tratar, para as sisters, seria menos uma cama a ser usada...ninguém sabe quem ela é...pelo estado em que está, atrevo-me a dizer que ninguém sente a falta dela e que não pertence a ninguém...e ali está. Não sei se me vou atrever a publicar este post, mas esta mulher chocou-me. Penso que tem a missão mais importante na vida: ensinar-me a amar. Por esta razão falo dela hoje.

      Senhora tão débil, tão chagada, em quem vi Jesus. E pensei nas inúmeras ocasiões onde podemos vê-Lo. Em concreto, nas pessoas que estão doentes, abandonadas, velhinhas, sozinhas ou que, infelizmente, perderam a razão de viver. Para muitos destes casos a solução tem sido a morte. Estive aqui a discutir com o G o que são verdades absolutas. Estamos na Terra por alma de quem? Quem nos colocou aqui? Quem nos deu vida? Independentemente da religião, todos sabemos que não escolhemos estar nesta Terra. Isso foi-nos dado. E todos vamos morrer. Não percebo porque nos sentimos no direito de achar que podemos decidir sobre isso. Poderá alguém dizer que estas pessoas que vejo diariamente são um fardo? Sim! Mas pelo sofrimento que carregam têm de ser descartadas? Descobri ontem que uma rapariga que vive em Shanti Dan (casa onde trabalho) tem uma espécie de borbulhas na cara. São tumores. Tumores como os que tem dentro da cabeça. Para além das dificuldades - deficiências - físicas que carrega, às vezes tem tantas dores que arranca o cabelo da própria cabeça por não saber o que fazer para suportar a dor. Não sei em que pensa, não falamos a mesma língua, mas apesar de todo o sofrimento, não me parece que queira morrer. Sorri e suporta. Para além disto, ensina-me a mim e a todos os que cuidam dela o que é o Amor, pois como é possível que eu não conheça estas pessoas e as queira tanto? Tenho imensos exemplos... o que mais se vê aqui são pessoas doentes (em estados muito piores do que alguma vez vi em Portugal nos lares, hospitais, visitas) mas não são descartadas. Sentem-se amadas, cuidadas, respeitadas, necessárias. A mashi cuida, a sister preocupa-se, eu vejo-as. Porque é que nós, que temos tudo, nos sentimos donos, senhores de decidir a morte? E estas pessoas que nada têm esforçam-se por viver!

      Tenho pensado muito na morte, desde que cheguei. E se eu morrer agora?, o que aconteceria na Terra?, o que leva as pessoas a pensar na morte?, seja por que razão for. Cheguei a poucas conclusões...mas pensei muito no amor e na procura que todos temos disto. Manifestada em imensas maneiras (muitos procuram em festas, teorias, pessoas, trabalho, etc.) que nos podem afastar do caminho bom que é Nosso Senhor. Na realidade é Ele quem procuramos e quem nos amou primeiro. Procuramos O Amor, o próprio Deus, que nos quer acima de tudo, primeiro que tudo. E encontramo-Lo nas pessoas, na família, nos amigos, naquela pessoa na rua. Dentro de nós, como dizia Santo Agostinho 'interior intimo meo et superior summo meo - maior do que o que há maior em mim e mais íntimo do que o que há de mais íntimo em mim'. Agora tenho pensado mais na morte espiritual. Da mesma forma que São João dizia 'é preciso que Ele cresça para que eu diminua', digo que é preciso que eu morra para mim mesma para que Ele me possa preencher. Tenho procurado esvaziar-me de tudo aqui. Estando em Calcutá é bastante fácil. Não há máscaras...só os sacramentos e o serviço aos mais pobres dos pobres. Quem diria que com tão pouco receberia tantas graças?

      Esta semana que passou foi muito boa! Tenho tanto para agradecer. Histórias que ouvi, exemplos de voluntários, pessoas que trato nas casas, graças que tenho recebido...tanto! Além disso, a Inês e Patrícia já chegaram e é ótimo poder viver tudo isto com elas. Não parece real, mas Portugal está aqui bem presente (ainda que no mundial se tenha feito esquecer) e continuam todos a ser lembrados nas minhas orações. Tenho imensas peripécias para contar...talvez amanhã! Por agora fica só esta mini 'partilha' do quanto tenho recebido, do quanto me tenho apercebido que temos de confiar muito em Deus, dar-Lhe as nossas vidas e confiar que Ele providencia. 

It is Jesus you seek when you dream of happiness; He is waiting for you when nothing else you find satisfies you. São João Paulo II

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