Primeiros dias

20-09-2016

Queridos todos,

 
Tudo bem por Portugal? Disse que só iria ter tempo para escrever na quinta, mas hoje não fui trabalhar por isso aproveito para escrever.
Não fui trabalhar porque estou mesmo cansada e não ia conseguir fazer nada. Não estranhem este cansaço porque está toda a gente assim (por exemplo, ontem a minha roomie faltou, no dia anterior faltou outra amiga minha...). É que não estamos nada habituados ao tempo! É tão quente e tão húmido que estar duas horas a lavar e a pendurar roupa nos derrota por completo. Por exemplo, de manhã chego a beber 5 litros de água! Durante a tarde, como já estamos em casa e é mais fresquinho, já é tudo mais normal. Volto a explicar os meus horários para perceberem melhor!

  • 6h: Missa
  • 7h: pequeno almoço nas missionárias e envio dos voluntários
  • 8h15: chego a Shanti Dan e começo a trabalhar (lavar, espremer e pendurar roupa)
  • 10h: pausa para tchai e bolachas
  • 10h15: (que é mais 10h30) dar aulas/pintar as unhas/pentear cabelos/fisioterapia, depende dos dias
  • 11h30: dar almoço
  • 12h: banhos e deitá-las
  • 13h: ir para casa 

Shanti Dan é uma casa de senhoras...está dividida em duas casas, uma para senhoras, outra para raparigas. Estou na casa das raparigas. Até ontem achava que elas tinham idades entre os 9 e os 15 anos, mas descobri que na minha casa, as 'girls' têm entre 15 e 50 anos (parecem uns bebés). Quase nenhuma fala, a maior parte não anda, umas são surdas, muitas cegas...há imensas com autismo, imensas com paralisia cerebral...e quase todas têm os membros deformados. Assim mais independentes, que andem e digam uma ou outra palavra, conto 4! 

Por isso o trabalho é muito exigente. Especialmente desde a hora do almoço. Para mim é a parte que custa mais porque, como sabem, fico enojada com cheiros e pessoas que não sabem comer! Na Índia as pessoas comem com a mão e as mashis (as senhoras indianas que trabalham nestas casas) dão-lhes à força a comida com as mãos e é um nojo! Felizmente, sabem que somos de outra cultura e dão-nos uma colher para darmos a comida! Ainda assim, como estas raparigas estão em estados lastimáveis, não controlam os movimentos, cospem, vomitam, põem as mãos à boca, tocam-nos em todo o lado...enfim, é uma aventura!
Depois a segunda parte é a que mais custa às outras voluntárias: o despir, casa de banho e deitar. Bom, não sei como explicar! As que estão de cadeira de rodas precisam de duas voluntárias, porque temos de pegar nelas, tirar a roupa, pô-las na casa de banho...as que andam, só precisam de uma voluntária...depois aqueles casos de raparigas mesmo deformadas, é um trinta e um! Primeiro que se consiga tirar a roupa...! Isto porque quase não se consegue mexer os membros e é mesmo difícil. No geral parece tudo fácil, mas não é! Quase todas estão molhadas com xixi e cocó, as camas também...e é mesmo complicado mudá-las e pô-las na cama (já para não falar daquelas que fogem das camas e desatam aos berros e a correr...e aquelas que são mais normais e decidem andar pelo quarto aos berros e acordam toda a gente). Para além disso, foram "crianças" mal tratadas, abusadas, por isso têm "experiências" gravada na memória e fazem constantemente coisas, vá, estranhas...é um problema! Por exemplo, muitas (quase todas, aliás!) temos de as amarrar à cama...

Quem vê isto de fora acha desumano tudo aquilo, porque o tratamento que recebem é quase nulo...basicamente ali só lhes dão comida e companhia e noutro país qualquer seriam mais estimuladas e acompanhadas por profissionais...mas é preciso lembrar que isto é Calcutá, onde só há pobreza e miséria...e as missionárias, com os meios que têm, só conseguem tirar as pessoas da rua e pô-las numa casa onde recebem comida e algum tratamento. Como há milhares de casos, é impossível melhorar as condições, não há dinheiro nem mãos! A casa para onde vou, que considero um autêntico zoo de macaquinhos malucos, é o sítio para onde vão mulheres que são abandonadas, mal tratadas, exploradas para que alguém ganhe dinheiro com elas na rua...e tenho de me lembrar constantemente que são pessoas. Por esta razão não se pode tirar fotografias. Estas mulheres são o ganha pão de alguém e quando são resgatadas pelas missionárias, há homens que vão à procura delas, do seu ganha pão, por isso não podemos tirar fotografias com o risco de que alguém veja...só no último dia. Dão-nos um passe, temos de falar com a irmã responsável pela casa e ela diz-nos quais são as pessoas que podem aparecer nas fotografias (felizmente nem todos os casos são destes...a maioria são bebés que foram abandonados à nascença por terem deficiências). 


Está a ser muito bom! Gosto imenso do sítio onde estou a trabalhar e das voluntárias que estão comigo.
Depois do trabalho volto para a zona de casa e almoço num sítio indiano que tem comida ótima e custa 20 rupias (0,26 cêntimos) ou vou a sudder street que custa 100/200 rupias e também se come bem. Quanto a visitar, só à quinta, o dia livre dos voluntários (porque também trabalhamos aos fins de semana), mas não há nada ou quase nada para visitar...só o Victoria Memorial, o jardim botânico, o zoo, a biblioteca e pouco mais. No entanto, as próprias ruas são um autêntico museu, pela excentricidade. Tudo é novo para mim! As pessoas tomam banho na rua, têm as suas casas na rua, os seus negócios, há porcos, vacas e cabras nas ruas! É de rir!

Apesar da lixeira que são as ruas de Calcutá, o povo em si é muito limpo! Tomam banho todos os dias e são muito preocupados com a imagem. As mulheres andam sempre com saris lindos e os homens passam a vida nos barbeiros.

 Coisas engraçadas que não sabia:
1- enquanto que é PT as aves são pombos ou gaivotas, aqui são...CORVOS! É nojento! Especialmente porque comem carne, então às vezes vê-se sem abrigo a serem comidos pelos corvos, crianças também, é horrível;

2- os indianos, sejam ricos ou pobres, não usam papel higiénico. Usam a bela da mãozinha! Por isso todas as casas de banho têm um chuveiro para se limparem;

3- usam a mão direita para comer, por isso normalmente as mulheres não têm verniz na mão direita; 

4- são malucos a conduzir. É de loucos andar na rua, atravessar a rua, andar de tuktuk/bus/taxi é um atentado à vida! Mas ainda não vi acidentes e passo a vida a andar nestes transportes! 

Quanto às perguntas da mãe, sim só bebo água engarrafada, sim está tudo bem, sim estou cansada mas isso é condição normal aqui, sim tenho comido bem. Não, isto não é perigoso como as pessoas pintam. É normalíssimo e ando imensas vezes sozinha, não há problema nenhum.

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